Fonte: PÚBLICO | 15.10.2010 - 11:08 Por Sérgio C. Andrade, Com Luís Miguel Queirós
Os profissionais do cinema e do audiovisual reagiram positivamente ao espírito que preside à proposta para uma nova lei do cinema, que o Ministério da Cultura se prepara para apresentar na Assembleia da República. Mas do lado dos anunciados novos (e velhos) contribuintes para a produção audiovisual nacional há um silêncio cauteloso e calculado de quem se prepara para fazer as contas.
A proposta foi bem acolhida pelo sector, mas as empresas contribuintes fazem contas às intenções da ministra (na foto, rodagem de "Filme do Desassossego", de João Botelho) (Raquel Esperança)
Nas suas linhas gerais, a nova lei alarga a base de angariação das contribuições, estendendo as taxas até agora limitadas à televisão clássica aos canais por cabo e às operadoras de telemóveis; estabelece a obrigatoriedade de as televisões reinvestirem parte dos seus lucros em produção audiovisual; mantém júris a decidir o apoio ao cinema independente, mas passando agora pelo "crivo" da Secção de Cinema do Conselho Nacional de Cultura (CNC); e confirma a extinção do Fundo de Investimento para o Cinema e o Audiovisual (FICA) no final do seu mandato, em 2012.
Com estas inovações, a proposta de lei vai ser discutida na próxima segunda-feira, no CNC, para depois ser apresentada na Assembleia da República. Gabriela Canavilhas já anunciou o objectivo de fazer aprovar a nova lei até final do ano.
A medida que faz o maior denominador comum nas apreciações dos agentes do sector é o claro alargamento da base de captação de fundos, com a taxação de toda a cadeia de valor no cinema e no audiovisual, desde a distribuição até às televisões generalistas e por cabo e ainda às plataformas de telemóveis.
No capítulo relativo ao financiamento, a lei hierarquiza as novas contribuições em percentagens que vão dos três por cento cobrados às "empresas concessionárias do serviço público de televisão" (grupo RTP) aos 0,25 por cento dos "proveitos operacionais anuais totais" das empresas de serviços de comunicações electrónicas em redes móveis.
Há alguma indefinição quanto ao montante que resultará destas taxas. Fala-se na duplicação ou mesmo triplicação das verbas que o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) actualmente tem disponíveis para a produção nacional. E é do lado dos contribuintes que parecem surgir as principais dúvidas perante a nova regulamentação.
Uma fonte da administração da RTP disse que a nova lei está a ser analisada, reservando a televisão pública uma reacção para um momento posterior; outros operadores contactados pelo PÚBLICO optaram pelo silêncio.
ELOGIOS E DÚVIDAS
Não nos foi possível esclarecer junto do ICA - que com a Cinemateca Portuguesa elaborou o projecto de lei - qual o alcance objectivo da nova proposta e até que ponto ela foi também negociada com os responsáveis das operadoras de televisão e de telemóveis.
Do lado dos profissionais do cinema, há um elogio generalizado ao facto de a nova lei "alargar as taxas a toda a cadeia de valor, mesmo se a distribuição percentual é discutível", diz António-Pedro Vasconcelos.
Margarida Gil, falando em nome da Associação Portuguesa de Realizadores (APR), a que preside, concorda também com esse aspecto genericamente positivo, e também com a crítica de Vasconcelos de que faz falta "um preâmbulo que contextualize uma política clara" do Governo para o cinema. António Ferreira, realizador e produtor independente de Coimbra, teme que as declarações de princípio, "positivas", se percam na "ambiguidade" do querer corrigir as assimetrias regionais que hoje se verificam. "Temo que as três maiores produtoras nacionais continuem a ficar com 50 por cento das verbas disponíveis e as outras vinte e tal com o resto", diz o autor de O Embargo.
A Plataforma do Cinema, que reúne duas dezenas de realizadores e produtores, tomou já uma posição pública num comunicado em que elogia "o mérito" de a lei mobilizar e diversificar os fundos para o cinema, mas lamenta também que ela seja "excessivamente genérica na explanação dos princípios orientadores para o sector". E critica "a clara intenção de retirar da esfera de competência do ICA a escolha e nomeação dos júris", medida que, em contrapartida, é bem vista por António-Pedro Vasconcelos.
Paulo Branco não quis comentar a nova lei. "No estado de catástrofe em que o país está, esta discussão desvia a atenção do que verdadeiramente interessa", justifica o produtor, prometendo, no entanto, estar presente na discussão de segunda-feira em sede do CNC.
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